Congresso Brasileiro de Psiquiatria
Laureado com o Nobel de Medicina em 2000, Eric Kandel afirma que é preciso comprovar cientificamente a eficácia da psicoterapia
Natalia Cuminale, do Rio de Janeiro
Eric Kandel Richard, neurocientista e ganhador do Prêmio Nobel 2000 de Medicina (Samuel Kubani/AFP)
"Na maioria dos casos, a psicoterapia não possui comprovação cientifica que mostre em quais circunstâncias ela funciona ou não."
"É preciso comprovar a eficácia da psicoterapia para o paciente", afirma o austríaco Eric Kandel, com a autoridade de quem é psiquiatra e vencedor do Prêmio Nobel de Medicina/Fisiologia — ganhou, em 2000, por ter desvendado os mecanismos que permitem ao cérebro formar e armazenar memórias. "Na maioria dos casos, a psicoterapia não possui comprovação cientifica que mostre em quais circunstâncias ela funciona ou não."
Atualmente, aos 81 anos, é professor da Universidade de Columbia, em Nova York, e tornou-se um dos mais importantes pesquisadores do cérebro humano deste século, mesmo sendo um psiquiatra tardio. Estudou história e literatura e só mais tarde formou-se em psiquiatria e neurociência.
Kandel está no Brasil para participar do Congresso Brasileiro de Psiquiatria, que está sendo realizado no Rio de Janeiro. O objetivo é falar do papel das pesquisas para a descoberta de novas drogas para a esquizofrenia e ampliar o acesso ao tratamento da doença. Para o pesquisador, a ciência está progredindo de forma lenta para encontrar soluções não só para a esquizofrenia, como também para outras doenças mentais.
Na opinião de Kandel, faltam marcadores biológicos (provas dadas pelo próprio corpo do paciente, como a variação de hormônios, por exemplo) para definir estratégias de diagnóstico e tratamento das doenças mentais. Kandel afirma ser necessário reconhecer a importância dos medicamentos no tratamento dos problemas da mente e bate na tecla: "a psicanálise e outros tipos de terapia devem ter sua eficácia comprovada."
Durante a entrevista concedida para o site de VEJA, o pesquisador ainda chamou a atenção para a saúde mental das crianças. “Há um número surpreendente de crianças que estão deprimidas em idade escolar. É preciso prestar atenção a isso”, diz. Para ele, apesar da prescrição exagerada, o metilfenidato (medicamento para o TDAH —transtorno de déficit de atenção e hiperatividade), deve ser indicado para crianças que necessitam dele, para evitar atrasos sérios no desenvolvimento de habilidades básicas.
Como o senhor avalia a situação atual da psicoterapia? A psicoterapia está passando por uma grande crise. Na maioria dos casos, a psicoterapia não possui comprovação cientifica que mostre em quais circunstâncias ela funciona ou não. A partir de estudos comparativos, Aaron Beck, da Universidade da Pensilvânia, conseguiu comprovar a eficácia da terapia-cognitivo comportamental. Atualmente, é o único tipo de terapia disponibilizada pelo governo britânico. Então, acho que a psicanálise e outros tipos de terapia devem seguir o mesmo caminho. Precisamos avaliar com mais cuidado a eficácia delas. Apesar disso, acredito que elas tenham um grande potencial e que são valiosas para o tratamento.
É crescente o número de pessoas diagnosticadas com depressão e outras doenças mentais. O senhor acredita que esteja havendo um diagnóstico exagerado? Acredito que é uma doença muito comum e extremamente assustadora. Todos os anos, entre 6% e 8% da população americana ficam incapacitados por causa da depressão. Então, eu não acredito que exista exagero nisso. Há um número surpreendente de crianças em idade escolar que estão deprimidas por causa do stress e que correm risco de cometer suicídio. Então, não dá para ignorar a existência dessa doença, particularmente porque ela pode vir de forma camuflada. Há, por outro lado, a prescrição ilimitada de drogas para a depressão.
O periódico British Medical Journal publicou um editorial sugerindo que os médicos são pouco treinados para determinar se uma droga é eficaz ou não. O que o senhor pensa a respeito? É verdade até certo ponto. Não há um médico que questione o uso das estatinas (medicamento que age no organismo reduzindo os níveis de LDL, conhecido como 'colesterol ruim') para tratar o colesterol, por exemplo. Porém sabemos que há ainda um grande número de psiquiatras que não reconhecem a importância da psicofarmacologia. O artigo toca em um ponto sensível. Ele serve para chamar a atenção dos especialistas para que aprendam sobre isso, para que possam pelo menos prescrever remédios para os casos em que isso seja necessário. Mas não acho que seja esse o ponto fundamental para o sucesso da psiquiatria.
O senhor falou sobre a preocupação com a depressão em crianças pequenas. Recentemente, a Academia Americana de Pediatria diminuiu a idade para o diagnóstico de transtorno de déficit de atenção e hiperatividade para quatro anos. Existe exagero na prescrição do metilfenidato? Provavelmente é um medicamento prescrito além da conta. Mas é importante lembrar que as principais afetadas são as crianças que estão em idade escolar. Se elas estão na sala de aula e apresentam dificuldade para aprender a ler, é preciso observar. Se há um problema e você dá o medicamento, elas se tornam capazes de ler e aprendem as habilidades básicas. Caso contrário, elas não teriam capacidade de progredir na escola. Então, se utilizada com cuidado, é algo extremamente útil.
Qual é o maior desafio em relação às doenças mentais? É grave, há muita pobreza no mundo e muitas doenças mentais. Precisamos entender melhor a mente e as doenças que ocorrem nela. Acredito que houve um progresso muito lento no entendimento da esquizofrenia. Temos que fazer mais pesquisas e precisamos desenvolver marcadores biológicos para possibilitar diagnósticos e tratamentos melhores. Não estamos conseguindo isso de forma rápida o suficiente. Falta dinheiro a ser investido nessa área e também interesse em pesquisar esses problemas.
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